terça-feira, 2 de novembro de 2021

A REALIDADE DA VACINAÇÃO EM UM PAÍS DESIGUAL

 


A jornalista Elisa Torres conta que precisava atualizar algumas vacinas do filho Miguel Torres Farias, 12 anos, que ficaram em atraso devido às restrições impostas pela pandemia entre 2020 e 2021. Durante a campanha de multivacinação, o adolescente foi levado a um posto de saúde no bairro da Tijuca, zona norte do Rio, onde conseguiu atualizar a caderneta com vacinas contra tétano e HPV. “Agora está tudo certo. A minha mãe era assistente social e eu cresci indo ao posto, participando de todas as campanhas. Acho muito importante”, afirma.

Ela relata que buscou divulgar, o máximo possível, a importância desta campanha campanha de vacinação como um período de atenção especial à prevenção de outras doenças transmissíveis, depois do enfrentamento do cenário mais grave da pandemia, quando as pessoas se recolheram em casa e ficaram muito assustadas. “A gente também evitou e foi deixando um pouco de lado as outras vacinas já que a prioridade nos postos era para a vacina da covid-19,” comenta.

Passado o período em que avançou mais a vacinação contra covid-19 para idosos, grupos prioritários, adolescentes e jovens, Elisa considera que é fundamental as famílias tentarem dar atenção especial às vacinas que estão pendentes. “O meu conselho é para que vão aos postos de saúde para atualizar as cadernetas. Eu fiz isso com o meu filho”, reitera a jornalista. Ela ainda destacou o risco de retorno de doenças erradicadas, lembrando sobre o exemplo do registro de sarampo que, em 2020, provocou a morte de uma criança, no Rio de Janeiro, depois de duas décadas de controle.



Um território onde tudo falta

Morador de Capivari, em Duque de Caxias, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o pescador Gilciney Lopes tem enfrentado dificuldades para atualizar a caderneta de vacinação dos três filhos de 9, 8 e 5 anos. Ele conta que a ida até o posto de saúde mais próximo exige deslocamento de ônibus e que com a oferta precária de transporte coletivo, a espera nessa localidade pode levar até duas horas. Essa limitação, somada às dificuldades da luta diária pela sobrevivência familiar e à pandemia, tem contribuído para que as principais vacinas das crianças estejam atrasadas, segundo relata.

Não temos serviços de saúde, água, saneamento ou asfalto nas ruas. Se uma criança ficar doente, a gente tem que buscar socorro no Hospital Infantil, no Centro de Caxias, ou no posto de saúde mais próximo, em Saracuruna. Mas nada é perto e depender de ônibus é terrível por aqui. A espera no ponto pode levar até duas horas se a gente perder uma condução que acabou de passar. É tudo precário. Vivemos da falta de tudo, sem amparo do poder público”, afirma sobre a realidade da localidade onde vive há cerca de 15 anos.

“Não temos serviços de saúde, água, saneamento ou asfalto nas ruas. É tudo precário. Vivemos da falta de tudo, sem amparo do poder público”.

Gilciney Lopes

Pescador de Caxias

Mesmo sem infraestrutura adequada na área periférica onde vive, como presidente da Colônia de Pesca de Duque de Caxias, o pescador tem liderado inúmeros movimentos pela proteção dos rios e manguezais que, no passado, garantiam a sobrevivência da pesca para ele e outras famílias locais. Nos últimos anos, a degradação desses ambientes, causada pela poluição industrial e pelo despejo de esgoto doméstico não tratado, dentre outros resíduos urbanos, fez desaparecer peixes e crustáceos nesse trecho da Baía de Guanabara.

Além de lutar na Justiça por reparação de danos causados por empresas que atuam na região, Lopes percorre diariamente o entorno poluído, com seu barco, em busca de materiais recicláveis para vender e garantir o sustento da família. Nessa busca cotidiana pela sobrevivência, ele reitera que faltam tempo, energia física e condições financeiras para cuidar mais da saúde da família e da sua também.

Duque de Caxias é um município de inúmeras contradições sobre a vacinação. Embora seja sede de um polo petroquímico que conta com grandes empreendimentos industriais, dentre os quais uma refinaria da Petrobras, além de ocupar a posição 1.574 no ranking nacional com IDH municipal de 0,711 (índice alto), é habitado por famílias como a de Gilciney Lopes que enfrentam inúmeras dificuldades por demandas coletivas negligenciadas pelo poder público. Em 2020, a cidade alcançou somente 19,46% de cobertura vacinal total (incluindo nessa contabilidade, vacinas importantes para a infância como poliomielite, 23,73%, e 30,02% para a tríplice viral, primeira dose). Em 2019, a cobertura vacinal total tinha alcançado 74,34% (com 93,56% para poliomielite e 120,33% para a tríplice viral, primeira dose).

(*) Esta reportagem só foi possível graças ao projeto “Primeira Infância é Prioridade” da ANDI/Rede Nacional Primeira Infância em parceria com a Petrobras.

 

 Elizabeth Oliveira

Jornalista apaixonada por temas socioambientais. Fez doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (PPED), vinculado ao Instituto de Economia da UFRJ, e mestrado em Ecologia Social pelo Programa EICOS, do Instituto de Psicologia da UFRJ. Foi repórter do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro e colabora com veículos especializados, além de atuar como consultora e pesquisadora.

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