Devido a natureza do seu trabalho, os jornalistas estão frequentemente expostos a situações que podem gerar estresse, ansiedade ou trauma. No último ano, a Covid-19 transformou o inusitado em algo cotidiano e agravou os problemas de saúde mental entre os trabalhadores da mídia. Diariamente, a tragédia humana ganha dimensões maiores com impactos cada vez mais profundos, sociais e econômicos. Em um acontecimento com as proporções da pandemia do novo coronavírus, o produtor da notícia atua como espectador ao mesmo tempo que é também vítima dos fatos reportados.
Resultados preliminares do projeto “Jornalismo
e Pandemia”, realizado pelo International Center for Journalists (ICFJ) em
parceria com o Tow Center for Digital Journalism da Columbia University,
indicam um cenário preocupante para a saúde mental desses profissionais. O
survey realizado com 1406 jornalistas de 125 países mostrou que 70% dos
entrevistados consideram os efeitos psicológicos da Covid-19 como o aspecto
mais difícil para lidar no trabalho. Outros 82% informaram terem tido ao menos
uma reação negativa emocional devido a pandemia. Antes disso, outra pesquisa
realizada pela Federação
Internacional dos Jornalistas (IFJ, na sigla em inglês) mostrou que
59,19% verificaram aumento de ansiedade e estresse no trabalho ainda em abril
de 2020.
Em janeiro de 2021, uma reportagem do site A
Crítica trouxe a história de jornalistas amazonenses que atuavam na
linha de frente da cobertura da pandemia, durante o colapso do sistema de saúde
em seu estado. Entre histórias de pessoas que adoeceram e lutavam contra as
sequelas, e relatos de profissionais que projetaram suas próprias vidas nas
cenas narradas para o público, é possível compreender porque o tema saúde
mental dos jornalistas precisa ser debatido e promovido entre os mais
diferentes setores da sociedade.
Ao refletir sobre o papel da imprensa durante a pandemia em
uma palestra
sobre notícias e saúde mental, Jessica Gold, professora assistente de
psiquiatria da Universidade de Washington comparou o trabalho dos jornalistas
aos dos psicólogos. Segundo ela, até a pandemia, não havia percebido como o
papel de ouvir os entrevistados se assemelhava em certa medida a escuta do
psicoterapeuta. Porém, os jornalistas fazem isso muitas vezes ao vivo, sem
estarem preparados para lidar com situações limite. “Não é normal para pessoas
falarem de pessoas que morreram, sobre coisas realmente duras que aconteceram
com elas, sobre guerra, e não é normal para você apenas ouvir aquilo
repetidamente e não demonstrar uma reação. Mas, depois do trabalho, você
precisa processar aquilo, porque se não o fizer, isso vai começar a corroer
você”, afirmou.
Em situações de tragédia ou violência, o jornalista muitas
vezes assume o papel de testemunha da história, demonstrando sentimentos como
desespero, raiva ou terror, explicou a doutora Cait MacMahon em entrevista para
o site da Global
Investigative Journalism Network. Segundo a diretora do Dart Center for
Journalism and Trauma — região Ásia e Pacífico —, o profissional da imprensa
pode sofrer danos psicológicos em três diferentes estágios do seu trabalho:
como testemunha ou participante do evento; ao comunicar e demonstrar compaixão
para com as vítimas; e ao contar suas histórias para o público.
Em entrevista
ao site do Poynter Institute, a diretora de pesquisa do Dart Center for
Journalism and Trauma, Elana Newman, debate o trauma por antecipação durante a
pandemia do novo coronavírus, em decorrência da coberura contínua sobre o tema.
Ela avalia que é “sempre difícil” balancear as situações limítrofes e os
diferentes tipos de luto encarados pelos jornalistas em coberturas de tragédia.
Porém, no caso da Covid-19, encontrar esse equilíbrio é ainda mais complexo
devido a ansiedade que ele gera. “Nós estamos antecipando as perdas [ainda]
desconhecidas”, deixando sempre em aberto a dúvida sobre “quem será o próximo”,
afirmou a professora. E esses são fatores de intenso estresse.
A dúvida sobre o futuro e a necessidade de seguir reportando
os fatos ficam evidentes nas falas de jornalistas entrevistados pela Associação
Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e divulgados no dia 11 de março
de 2021, quando completou um ano da declaração
da pandemia de Covid-19. Da saudade de casa, passando pelo medo do
adoecimento, ao combate à desinformação, todos demonstram diferentes formas de
resistência e resiliência para poder continuar a desenvolver seus trabalhos.
De certa forma, esse comportamento se assemelha ao de outros
trabalhadores que vivem situações de estresse, ansiedade e depressão em zonas
de conflito ou de guerra, estudados por Anthony Feinstein. O
professor de psiquiatria da Universidade de Toronto considera que além do
adoecimento mental dos jornalistas é preciso debater o dano moral no contexto
da pandemia do novo coronavírus. Ela resulta do próprio comportamento do
profissional ao transgredir o seu código de ética moral. Ele ilustra como sendo
situações em que há decisões muito difíceis de tomar, quando a fonte, por
exemplo, espera que o profissional atue muito além de sua capacidade de
reportar o fato, prestando algum tipo de assistência que vai além da sua
responsabilidade enquanto jornalista. As respostas para esses conflitos podem
gerar dano moral e desencadear culpa ou vergonha.
Um estudo em parceria entre Reuters
Institute e Universidade de Toronto com 73 jornalistas de veículos
internacionais indicou que 70% dos entrevistados tiveram algum momento de
sofrimento psicológico em decorrência da cobertura da Covid-19. Os dados, ainda
preliminares, apontam que 26% dos participantes tiveram diagnóstico de
ansiedade clínica compatível com Transtorno de Ansiedade Generalizada, ou seja,
eles apresentavam sintomas como medo, sensação de estar no limite, baixa
concentração e cansaço. Outros 11% relataram sintomas de Transtorno de estresse
pós-traumático.
Os dados preliminares mostram informações alarmantes sobre
ansiedade e depressão entre os jornalistas. O perfil entrevistado é de
profissionais estabelecidos na carreira com mais de uma década de profissão em
grandes organizações jornalísticas, portanto, eles possuem algum tipo de
suporte e longa experiência profissional. Mesmo assim, foram impactados
fortemente pela cobertura da pandemia.
Apesar de ser um tema que vem ganhando espaço, ele ainda é
desigual e desproporcional. Em algumas redações existem programas ou ações de
apoio aos jornalistas. Mas, em outras não. Além disso, o grande contingente de
freelancers, autônomos e colaboradores passam a margem de qualquer tipo de
iniciativa em prol da saúde mental das equipes envolvidas diretamente com a
Covid-19.
Efeitos
da pandemia nos jornalistas brasileiros
No Brasil, histórias de dor e perda se somam à violência
diária e se intensificam à medida que a crise do coronavírus aumenta e se
aprofunda com a crise política. Como expectadores e protagonistas dos fatos, os
jornalistas atuam na linha de frente de uma guerra invisível, capaz de impactar
a saúde física e mental, trazendo problemas como ansiedade, estresse e morte.
Entre março de 2020 e 18 de abril de 2021, o país já perdeu 175 jornalistas
para a Covid-19. É a
nação com maior número de profissionais da imprensa mortos durante a pandemia segundo
a Press Emblem Campaign (PEC), organização não-governamental com sede em
Geneva. A entidade contabilizou 1094 casos em 75 nações, dos quais a América
Latina aparece com os três piores índices. Depois do Brasil, o Peru
registrou 139 vidas perdidas e o México, 104.
Além do vírus que se espalha sem controle pelo país, os
jornalistas brasileiros também estão expostos a diferentes tipos de ataques e agressões,
virtuais e analógicos, por
parte da população e políticos brasileiros. A violência
e a descredibilização são usadas como estratégias discursivas para tentar
intimidar a imprensa e também questionar a informação veiculada por
ela, especialmente com relação a medidas de restrição ao contágio e quando
dizem respeito a denúncias envolvendo o alto escalão do governo federal . Não é
a toa que o ano de 2020 foi o
mais perigoso para os jornalistas brasileiros desde a década de 1990,
quando a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) iniciou a divulgação do
Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil.
Houve um aumento de 105,77% da violência aos profissionais da mídia, sendo que
40,89% do total dos casos foram perpetrados pelo presidente da República.
Aliado a esse cenário de crise sanitária e política, a
categoria está cada vez mais fragilizada devido a precarização do trabalho,
desvalorização salarial, demissões e flexibilizações da legislação trabalhista.
Nesse sentido, a pandemia da Covid-19 veio para fragilizar ainda mais os
profissionais da imprensa no Brasil. Um levantamento realizado pela Federação
Internacional dos Jornalistas (IFJ), ainda em abril de 2020, indicou que para
61,25% dos 295 profissionais brasileiros participantes houve aumento da
ansiedade e estresse durante a pandemia.
Outro estudo que também indicou piora no bem-estar emocional
dos jornalistas brasileiros foi realizado pelo Centro de Pesquisa Comunicação e
Trabalho (CPCT) da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo
(ECA/USP), que indicou intensificação
do ritmo de trabalho e aumento da jornada para 70% dos comunicadores
participantes. Outra pesquisa realizada pela Fenaj
com 457 jornalistas brasileiros indicou que 55,5% relataram aumento da
pressão sobre o trabalho.
Dicas para gerenciar as emoções durante a cobertura da
Covid-19
Para cuidar de sua saúde mental, os jornalistas precisam
desenvolver a rotina do auto-cuidado. Entre as dicas listadas por pesquisadores
de efeitos de coberturas de tragédias e zonas de conflito, estão saber identificar
as emoções, buscar atividades alternativas, apoio profissional e rede de
suporte. Nos links abaixo é possível encontrar informações mais detalhadas em
vídeo ou texto, em inglês.
Publicado originalmente por
objETHOS.
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